Férias pagas
Caso você não saiba (assim como eu mesmo não sabia até alguns dias atrás), os nossos deputados federais têm direito a uma Cota para o Exercício da Atividade Parlamentar (CEAP), ou seja “[uma quantia] destinada a custear os gastos dos deputados exclusivamente vinculados ao exercício da atividade parlamentar”.
Cada deputado tem direito a R$42.000,00 reembolsáveis todo mês, variando um pouco de estado para estado.
Já que os dados sobre todos os reembolsos requisitados estão disponíveis no portal da transparência da Câmara, eu decidi fazer uma pequena análise para descobrir se os deputados usaram a CEAP adequadamente em 2016. Ao meu ver há duas formas de identificar reembolsos irregulares dada a informação disponível:
- Se a categoria do reembolso for suspeita
- Se o componente temporal do reembolso for suspeito
Comecemos pelo primeiro caminho.
Categoria Suspeita: Divulgação da Atividade Parlamentar
Quando os deputados requisitam um reembolso, eles precisam inserí-lo em uma das 17 categorias possíveis, dentre as quais temos “telefonia”, “combustíveis e lubrificantes”, “emissão de bilhete aéreo”, etc. Para ter uma ideia de com o que eu estava lidando, somei o valor de todos os reembolsos atrelados a cada categoria e criei um gráfico com as top 7.
A categoria que custou mais para o bolso do brasileiro foi uma certa surpresa para mim: divulgação da atividade parlamentar. Essa categoria representou mais ou menos 23% (R$48.645.429,54) de um total de 212 milhões de reais reembolsados no ano passado.
Vendo esses números e o título estranhamente vago da categoria, fiquei com a impressão de que ela estaria sendo utilizada por deputados para cobrir gastos pessoais. De modo a ter certeza de que eu não estava sendo rápido demais em meu julgamento, criei box-plots das 7 categorias com maiores reembolsos medianos para que eu pudesse analisar seus outliers.
Na imagem acima podemos ver que divulgação de atividade parlamentar (terceiro box da esquerda para a direita) não tem a maior mediana, mas seus outliers se destacam muito do resto. Se examinarmos o ponto mais alto da figura toda, vemos que ele representa um deputado reembolsando um total de R$184.500,00 gastos em uma pequena gráfica.
Esses outliers (muitos dos quais estouram o teto de reembolso mensal de qualquer estado) corroboram para a teoria de que a divulgação de atividade parlamentar está sendo usada para enriquecimento pessoal por parte de nossos deputados.
Componente Temporal Suspeito: Férias Pagas
Partindo para a análise do componente temporal, tirei a média do valor dos reembolsos de cada dia do ano; com isso pode-se descobrir se existe algum período em que os reembolsos ficam mais caros.
Depois de criar inúmeras visualizações com essas médias (que você pode reproduzir com o código disponível no meu repositório), achei algo estranho no gráfico abaixo. Ele representa a distribuição de densidade do valor médio dos reembolsos de cada dia. Veja se você consegue identificar o que chamou minha atenção…
Observe as pequenas “lombadas” depois da marca dos 1,5 mil reais. Elas indicam que há um número grande, porém irregular, de dias em que a média do valor dos reembolsos estoura. Se encontrarmos um padrão temporal na distribuição desses outliers, isso pode significar que existe algo suspeito acontecendo.
Para estudar essa hipótese, gerei a série temporal do valor do reembolso médio dia a dia. As subidas e descidas ao longo do ano são as tendências semanais, mas preste atenção ao que acontece no lado direito do gráfico.
O pico em torno do final de dezembro e o início de janeiro representa que nesses dias os reembolsos tiveram em média valores muito altos. Se juntarmos isso com uma informação extra do portal da Câmara, vemos que esse aumento repentino do valor se concentra no período após o dia 23 de dezembro (linha laranja vertical), em que os deputados saem de férias.
Na minha opinião essa série temporal mostra que alguns deputados podem estar utilizando A CEAP para pagar por suas férias.
Conclusão
Esta não foi de maneira alguma uma análise exaustiva, mas mostra indícios de que nossos deputados estão usando dinheiro público para cobrir despesas pessoais. No começo nos propusemos a investigar apenas dois aspectos da base de dados e já fomos capazes de encontrar atividade suspeita em ambos; provavelmente ainda há muitas outras formas de olhar para esses dados para as quais não tive tempo ou habilidade, então lhes encorajo a que tentem explorar as “maravilhas” da CEAP por conta própria.
Se você quiser ver a versão a interativa da análise deste artigo ou baixar os dados que utilizei, visite meu Kaggle Kernel Paid Vacations - Brazil’s House of Deputies. E se você quiser ver outros estudos sobre a CEAP, eu sugiro que você entre no site da Operação Serenata de Amor.